Nos últimos anos, a discussão sobre saúde mental no ambiente de trabalho ganhou destaque, levando ao surgimento de iniciativas inovadoras para abordar esse tema. Uma dessas iniciativas é a Licença por Infelicidade, criada por Yu Donglai, fundador da rede de varejo Pang Dong Lai, na China.
“Todo mundo tem momentos em que não está feliz, então, se você não está feliz, não venha trabalhar.”
Essa frase de Yu, que rapidamente viralizou, enfatiza que é natural passar por períodos de infelicidade. O ponto é que nesses momentos, é mais saudável tanto para o indivíduo quanto para a organização que a pessoa se afaste do trabalho.
A política da “licença por infelicidade”, introduzida por Donglai, está atraindo atenção não apenas na China, mas em todo o mundo, por sua abordagem inovadora em relação à saúde mental no trabalho.
Como funciona isso?
O fundador da Pang Dong Lai, ao introduzir essa política, liberou que colaboradores que se sentem tristes ou insatisfeitos tirem até 10 dias de folga por ano, sem necessidade de aprovação. “Esta licença não pode ser negada pela gerência. A negação é uma violação”, afirmou Yu.
A introdução da licença por infelicidade é uma resposta direta à necessidade de promover um ambiente de trabalho mais compreensivo.
Além das licenças, a empresa promove um equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional. Com jornadas de trabalho de sete horas, folgas aos fins de semana e 30 a 40 dias de férias anuais e cinco dias de folga durante o Ano Novo Chinês.
Outro aspecto interessante da cultura organizacional da empresa é o sistema de certificação por nível de trabalho, que permite que até mesmo um zelador ganhe salários elevados, desde que demonstre as competências necessárias “Um zelador pode ganhar até 500 mil yuans por ano (que corresponde a R$ 390 mil, ou R$ 32k por mês) desde que suas capacidades profissionais atinjam um certo nível.”.
A Pang Dong Lai também implementou um interessante “Prêmio de Reclamação”, destinado a compensar os funcionários que enfrentam situações desafiadoras, como lidar com reclamações ou serem maltratados por clientes. Esse prêmio varia de 5 mil a 8 mil yuans (cerca de R$ 3,8 mil a R$ 6,2 mil) e reflete um compromisso da empresa em valorizar e proteger seus colaboradores.
O que há por trás da licença por infelicidade?
A licença valida que todos enfrentam momentos de tristeza e desânimo, o que contribui para uma cultura de aceitação e compreensão. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS -2021) indicam que cerca de 1 em cada 4 pessoas enfrentará problemas de saúde mental em algum momento de suas vidas.
Ao permitir que os colaboradores tirem um tempo para se recuperarem emocionalmente, a empresa e o empresário acredita que pode reduzir o absenteísmo e aumentar a produtividade a longo prazo. Afinal, colaboradores que se sentem bem cuidando de sua saúde mental tendem a ser mais engajados e motivados.
Outro ponto importante é que ao não exigir aprovação para a licença, a empresa empodera os funcionários a tomarem decisões sobre seu próprio bem-estar.
O executivo já chegou a receber o apelido de “chefe mais idiota da China”. No entanto, segundo ele, a medida tem surtido efeito, já que menos de 5% dos funcionários deixam a empresa a cada ano.
Mas um dia de folga, resolve o problema?
A política de “licença por infelicidade” criada por Yu Donglai, é uma abordagem que, embora inovadora, traz à tona uma reflexão mais profunda sobre a saúde mental no ambiente de trabalho. Essa licença pode ser vista como um alívio temporário para os colaboradores que se sentem sobrecarregados ou insatisfeitos. No entanto, essa solução momentânea não aborda as causas subjacentes do estresse e da insatisfação.
A ideia de que os funcionários podem tirar até 10 dias de folga em casos de necessidade é um passo positivo, mas é importante considerar o contexto em que essa licença é oferecida. Muitas vezes, as empresas colocam uma pressão intensa sobre os colaboradores, criando um ambiente que pode levar ao esgotamento.
A licença pode parecer uma forma de cuidado, mas, na prática, pode transmitir a mensagem de que é aceitável trabalhar até o limite, com a promessa de um dia de folga para se recuperar. Isso levanta a questão: a saúde mental realmente começa e termina em um dia de descanso?
Se o estresse é causado por problemas estruturais, como carga excessiva de trabalho, prazos inatingíveis ou falta de apoio, o retorno ao ambiente de trabalho após um dia de folga pode trazer de volta as mesmas fontes de esgotamento.
Para que a saúde mental seja efetivamente priorizada, é necessário um compromisso contínuo por parte das empresas. O que envolve criar um ambiente de trabalho onde os colaboradores se sintam valorizados e respeitados, com canais de comunicação abertos que permitam discutir preocupações e desafios.
Práticas como a promoção do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, a implementação de treinamentos sobre gestão de estresse e o oferecimento de suporte emocional são fundamentais para evitar que a “válvula de segurança” precise ser acionada com frequência.
Um dia de folga pode ser um ótimo começo para reconhecer a necessidade de autocuidado, mas para enfrentar o esgotamento é essencial adotar práticas regulares de bem-estar e criar um ambiente de trabalho mais saudável.
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